Reportagem publicada em 2009 em Expresso das Ilhas
Génio
louco. Comunicador nato. Inesquecível pianista. Tantas definições para um só
homem. António Victorino de Almeida, o maestro de Portugal e do mundo esteve em Cabo Verde , pela
primeira vez, para realizar um recital comentado. O Expresso quis comprovar a sua
“excentricidade” através de uma conversa descontraída e pouco formal.
Década
de 40. O fim da segunda Guerra Mundial. Em Portugal cantava-se contra a
ditadura, através de letras camufladas. Cabo Verde começava a dar os primeiros
passos na emissão radiofónica.
Do
outro lado do Atlântico, mais propriamente em 1945, um menino de 5 anos
elaborava a sua “primeira musiquinha clássica”. Menino-prodígio? Não no sentido
“perverso” da palavra, pois António nunca deixou de brincar na rua, tal como os
outros meninos da sua idade e, de fazer as suas travessuras, próprias de uma
infância “feliz”. Teve muitos amores, dois casamentos, diversas paixões, mas
foi com a música que fez um compromisso para a vida. Uma aliança onde não há
lugar para traições, ciúmes, desenganos ou obsessões.
Certamente
o facto de ter um avô paterno, Achilles d’ Almeida, músico amador, poeta, autor
e encenador de peças e teatro, uma mãe, Maria Amélia Goulart de Medeiros, uma
cantora lírica com uma carreira de curta duração, e um pai, Vitorino de
Almeida, que o incentivou a desenvolver o gosto pela “beleza das pautas, dos
sons e da arte musical”, contribuiu para que aos 13 anos realizasse o seu
primeiro concerto no Conservatório. Obras de Mozart e Beethoven e duas peças de
sua autoria foram o reportório escolhido.
Década
de 60… enquanto por terras de Morabeza, o grupo musical “Os Apolos” encantavam
os cabo-verdianos com a sua versatilidade musical, “Antonito” (nome dado por
uma crítica no jornal o Século Ilustrado que considerou maravilhoso o seu poder
de interpretação) concluía o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional
de Lisboa com 19 valores, para depois seguir para Viena, onde se diplomou em
Composição com a mais alta classificação conferida pela Escola Superior de
Música daquela cidade. A partir daqui António Victorino de Almeida, mais
conhecido como o maestro, iniciou um percurso de sucesso, onde a música “é o
elo de ligação que dá consistência a tudo o que faz.
Concertista,
compositor, chefe de orquestra, apresentador de programas televisivos,
escritor, Adido Cultural da Embaixada de Portugal em Viena, guionista, este
comunicador nato é muitas vezes apelidado de “homem dos sete ofícios”.
Ano
de 2008. Olha para trás não com o sentimento de missão cumprida mas com uma sensação
consoladora. “Estou longe de considerar que fiz tudo o que queria. Tomei há
pouco tempo uma decisão pouco ortodoxa… Ao contrário do que as pessoas fazem,
digo publicamente a minha idade, 68 anos, mas auto convenço-me que só tenho 63
anos. Dá me jeito neste momento”, diz com o seu eterno ar de criança, não
conseguindo manter por muito tempo a postura séria, próprio de um entrevistado.
Na
sua primeira viagem a Cabo Verde, o homem sem pudor nas palavras, realizou dois
concertos na Praia e no Mindelo (a convite do IC-Centro Cultural Português), onde “além do seu
virtuosismo como pianista, o público pode apreciar aquele que é um dos grandes
comunicadores portugueses na área da musica”. O Expresso teve oportunidade de
conversar com aquele que é considerado por uns como “o génio excêntrico” e por
outros “um talento nato da música”.
Um breve olhar sobre
a terra crioula
“Quando
tinha 25 anos foi ao Brasil e o barco parou em S. Vicente , mas não
desci. Esta foi a primeira vez que pisei solo cabo-verdiano. Não vinha com uma
ideia pré-definida, mas a sensação que tive logo na ilha do Sal e depois
confirmado em S. Vicente ,
é um sentimento difícil de explicar… de estar num país onde há uma grande
pobreza mas não há miséria, ou seja, esta última conduz à degradação do ser
humano, já a pobreza, a pessoa é pobre mas tem a sua dignidade, a sensação que
tive aqui é a contrária à de outros países, inclusive da Europa. Sei que são muito
pobres e, no entanto olho para um bairro de lata de Mindelo e, apesar da
barraca não ser melhor do que qualquer outra noutro lugar, tem outro ‘cenário’.
Um tecto amarelo, a porta está pintada de encarnado, isso mostra que a pessoa
afirma: ‘aqui mora alguém que é pobre mas não deixa de ter a sua personalidade
e dignidade’, são pormenores que ficam na retina. Não é em três dias que vou
julgar esta terra que numa coisa é perita: sabe receber.
A excentricidade que
lhe é reconhecida
“Não
concordo com essa definição. Por ter uma bengala, ter o cabelo desalinhado e
quase sempre cumprido não faz de mim um ‘extravagante’. Sou um trabalhador na
expressão mais nobre, tento nunca o fazer mal e sempre que possível naquilo que
gosto e isso tenho conseguido. Nesse aspecto é assim que me defino: vivo a
trabalhar.”
Portugal e as
orquestras
Sempre
gostei de trabalhar em
Portugal. Irrito-me constantemente com os problemas
estruturais que impedem que a música se desenvolva. Nada tem a ver com as
pessoas, pois temos uma geração de jovens músicos, sérios, empenhados que davam
para quatro Orquestras Sinfónicas. Por exemplo: Certo dia, houve um político
que acordou de manhã, com a ideia que queria criar uma orquestra. Perguntou-me,
mais tarde, qual era o custo. Respondi através de uma linguagem que ele
percebe-se: ‘os honorários de oitenta músicos custam por mês o Jardel e o João
Pinto.’ Ele rematou de uma forma engraçada. ‘Pensava que era mais em termos de
Figo’. Isto para dizer que, na realidade não se faz mais Orquestras porque não
se quer. Há músicos e público, mas não existe Governos que tenham uma política
cultural.
Os livros e Vitorino
“O
Jorge Borges Macedo (historiador de renome) e o António José Saraiva (escritor, ensaísta, crítico e historiador da literatura
portuguesa) incentivaram-me a escrever. Ambos tinham uma grande
sensibilidade literária, mas a nível musical eram nulos. Portanto, para eles a
minha pessoa interessava como potencial escritor, alias quando o Jorge Borges
Macedo me encontrava a primeira coisa que perguntava era o que tinha escrito
recentemente e, não se tinha feito concertos. Levo muito a sério a escrita. O
próximo livro que vai sair em Novembro, dois volumes será a primeira história
da música escrita em Portugal e estou extremamente honrado de ter um prefácio
do Marcelo Rebelo de Sousa e uma nota introdutória de José Saramago, estou
completamente babado. Portanto, o acto de escrever ocupa um lugar privilegiado
na minha vida”.
O desencanto pela
“caixinha mágica” e pela RTP
Já
tive tantas aventuras profissionais… mas a coisa que menos achei graça foi a
televisão… houve uma altura em que me apaixonei pela ‘caixinha mágica’, o
programa que fiz há 40 anos continua a ser falado actualmente e isso é
gratificante. Porém, os últimos programas que fiz (Duetos imprevistos na SIC, o
pianíssimo, RTP, e os Sons do Tempo a passar neste momento no primeiro canal),
passaram às 1h30, chegando acabar às 3h00 e isso é de uma ordinarice. A RTP não
tem nenhum álibi, porque é uma estação pública e coloca programas culturais de
madrugada, um insulto para os telespectadores. Simplesmente querem mostrar que
fazem alguma coisa, mas no fundo não gostam, pois o que adoram são os
concursos. Na RTP, consideram-me uma pessoa atingida de senilidade. A minha
intenção com este programa é pagar tudo à RTP e vender em DVD o “Sons do Tempo”,
o objectivo é divulgar, dar a conhecer a minha obra.
Lição de vida
“Um
bom maestro é aquele que dirige um décimo de segundo a frente e o mau é o que
dirige um décimo segundo atrás. O público como é evidente não nota. Neste décimo
segundo há um que comanda e há outro que é comandado. A pessoa tem de estar
sempre a ler o compasso que vem a seguir, enquanto está a realizar o compasso
que já leu. Isto é uma avaliação para a vida, devemos estar a pensar naquilo
que vamos fazer a seguir e não naquilo que já foi.
Foto: Retirada da Net
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