sábado, 27 de outubro de 2012

Victorino de Almeida - "O Maestro em Cabo Verde"


Reportagem publicada em 2009 em Expresso das Ilhas 



Génio louco. Comunicador nato. Inesquecível pianista. Tantas definições para um só homem. António Victorino de Almeida, o maestro de Portugal e do mundo esteve em Cabo Verde, pela primeira vez, para realizar um recital comentado.  O Expresso quis comprovar a sua “excentricidade” através de uma conversa descontraída e pouco formal.
  
Década de 40. O fim da segunda Guerra Mundial. Em Portugal cantava-se contra a ditadura, através de letras camufladas. Cabo Verde começava a dar os primeiros passos na emissão radiofónica.
Do outro lado do Atlântico, mais propriamente em 1945, um menino de 5 anos elaborava a sua “primeira musiquinha clássica”. Menino-prodígio? Não no sentido “perverso” da palavra, pois António nunca deixou de brincar na rua, tal como os outros meninos da sua idade e, de fazer as suas travessuras, próprias de uma infância “feliz”. Teve muitos amores, dois casamentos, diversas paixões, mas foi com a música que fez um compromisso para a vida. Uma aliança onde não há lugar para traições, ciúmes, desenganos ou obsessões.
Certamente o facto de ter um avô paterno, Achilles d’ Almeida, músico amador, poeta, autor e encenador de peças e teatro, uma mãe, Maria Amélia Goulart de Medeiros, uma cantora lírica com uma carreira de curta duração, e um pai, Vitorino de Almeida, que o incentivou a desenvolver o gosto pela “beleza das pautas, dos sons e da arte musical”, contribuiu para que aos 13 anos realizasse o seu primeiro concerto no Conservatório. Obras de Mozart e Beethoven e duas peças de sua autoria foram o reportório escolhido.
Década de 60… enquanto por terras de Morabeza, o grupo musical “Os Apolos” encantavam os cabo-verdianos com a sua versatilidade musical, “Antonito” (nome dado por uma crítica no jornal o Século Ilustrado que considerou maravilhoso o seu poder de interpretação) concluía o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional de Lisboa com 19 valores, para depois seguir para Viena, onde se diplomou em Composição com a mais alta classificação conferida pela Escola Superior de Música daquela cidade. A partir daqui António Victorino de Almeida, mais conhecido como o maestro, iniciou um percurso de sucesso, onde a música “é o elo de ligação que dá consistência a tudo o que faz.
Concertista, compositor, chefe de orquestra, apresentador de programas televisivos, escritor, Adido Cultural da Embaixada de Portugal em Viena, guionista, este comunicador nato é muitas vezes apelidado de “homem dos sete ofícios”.
Ano de 2008. Olha para trás não com o sentimento de missão cumprida mas com uma sensação consoladora. “Estou longe de considerar que fiz tudo o que queria. Tomei há pouco tempo uma decisão pouco ortodoxa… Ao contrário do que as pessoas fazem, digo publicamente a minha idade, 68 anos, mas auto convenço-me que só tenho 63 anos. Dá me jeito neste momento”, diz com o seu eterno ar de criança, não conseguindo manter por muito tempo a postura séria, próprio de um entrevistado.
Na sua primeira viagem a Cabo Verde, o homem sem pudor nas palavras, realizou dois concertos na Praia e no Mindelo (a convite do IC-Centro Cultural Português), onde “além do seu virtuosismo como pianista, o público pode apreciar aquele que é um dos grandes comunicadores portugueses na área da musica”. O Expresso teve oportunidade de conversar com aquele que é considerado por uns como “o génio excêntrico” e por outros “um talento nato da música”.

Um breve olhar sobre a terra crioula
“Quando tinha 25 anos foi ao Brasil e o barco parou em S. Vicente, mas não desci. Esta foi a primeira vez que pisei solo cabo-verdiano. Não vinha com uma ideia pré-definida, mas a sensação que tive logo na ilha do Sal e depois confirmado em S. Vicente, é um sentimento difícil de explicar… de estar num país onde há uma grande pobreza mas não há miséria, ou seja, esta última conduz à degradação do ser humano, já a pobreza, a pessoa é pobre mas tem a sua dignidade, a sensação que tive aqui é a contrária à de outros países, inclusive da Europa. Sei que são muito pobres e, no entanto olho para um bairro de lata de Mindelo e, apesar da barraca não ser melhor do que qualquer outra noutro lugar, tem outro ‘cenário’. Um tecto amarelo, a porta está pintada de encarnado, isso mostra que a pessoa afirma: ‘aqui mora alguém que é pobre mas não deixa de ter a sua personalidade e dignidade’, são pormenores que ficam na retina. Não é em três dias que vou julgar esta terra que numa coisa é perita: sabe receber.

A excentricidade que lhe é reconhecida
“Não concordo com essa definição. Por ter uma bengala, ter o cabelo desalinhado e quase sempre cumprido não faz de mim um ‘extravagante’. Sou um trabalhador na expressão mais nobre, tento nunca o fazer mal e sempre que possível naquilo que gosto e isso tenho conseguido. Nesse aspecto é assim que me defino: vivo a trabalhar.”

Portugal e as orquestras
Sempre gostei de trabalhar em Portugal. Irrito-me constantemente com os problemas estruturais que impedem que a música se desenvolva. Nada tem a ver com as pessoas, pois temos uma geração de jovens músicos, sérios, empenhados que davam para quatro Orquestras Sinfónicas. Por exemplo: Certo dia, houve um político que acordou de manhã, com a ideia que queria criar uma orquestra. Perguntou-me, mais tarde, qual era o custo. Respondi através de uma linguagem que ele percebe-se: ‘os honorários de oitenta músicos custam por mês o Jardel e o João Pinto.’ Ele rematou de uma forma engraçada. ‘Pensava que era mais em termos de Figo’. Isto para dizer que, na realidade não se faz mais Orquestras porque não se quer. Há músicos e público, mas não existe Governos que tenham uma política cultural.

Os livros e Vitorino
“O Jorge Borges Macedo (historiador de renome) e o António José Saraiva (escritor, ensaísta, crítico e historiador da literatura portuguesa) incentivaram-me a escrever. Ambos tinham uma grande sensibilidade literária, mas a nível musical eram nulos. Portanto, para eles a minha pessoa interessava como potencial escritor, alias quando o Jorge Borges Macedo me encontrava a primeira coisa que perguntava era o que tinha escrito recentemente e, não se tinha feito concertos. Levo muito a sério a escrita. O próximo livro que vai sair em Novembro, dois volumes será a primeira história da música escrita em Portugal e estou extremamente honrado de ter um prefácio do Marcelo Rebelo de Sousa e uma nota introdutória de José Saramago, estou completamente babado. Portanto, o acto de escrever ocupa um lugar privilegiado na minha vida”.  

O desencanto pela “caixinha mágica” e pela RTP
Já tive tantas aventuras profissionais… mas a coisa que menos achei graça foi a televisão… houve uma altura em que me apaixonei pela ‘caixinha mágica’, o programa que fiz há 40 anos continua a ser falado actualmente e isso é gratificante. Porém, os últimos programas que fiz (Duetos imprevistos na SIC, o pianíssimo, RTP, e os Sons do Tempo a passar neste momento no primeiro canal), passaram às 1h30, chegando acabar às 3h00 e isso é de uma ordinarice. A RTP não tem nenhum álibi, porque é uma estação pública e coloca programas culturais de madrugada, um insulto para os telespectadores. Simplesmente querem mostrar que fazem alguma coisa, mas no fundo não gostam, pois o que adoram são os concursos. Na RTP, consideram-me uma pessoa atingida de senilidade. A minha intenção com este programa é pagar tudo à RTP e vender em DVD o “Sons do Tempo”, o objectivo é divulgar, dar a conhecer a minha obra.


Lição de vida
“Um bom maestro é aquele que dirige um décimo de segundo a frente e o mau é o que dirige um décimo segundo atrás. O público como é evidente não nota. Neste décimo segundo há um que comanda e há outro que é comandado. A pessoa tem de estar sempre a ler o compasso que vem a seguir, enquanto está a realizar o compasso que já leu. Isto é uma avaliação para a vida, devemos estar a pensar naquilo que vamos fazer a seguir e não naquilo que já foi. 

Foto: Retirada da Net

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