domingo, 28 de outubro de 2012

Nani, o menino que virou estrela


Reportagem publicada em 2007 - Revista Afro 



Já parou para pensar como certas pessoas são tão boas naquilo que fazem que os diferencia dos demais? Por vezes, não se trata de génios, superdotados ou milagres, são pessoas que movidos pela paixão, pelo sonho, ou simplesmente pela garra de vencer, são dotados de talentos artísticos. O “puto” Nani não foge à regra...

Quem é que independente de ter sido menino ou menina na infância, já não resgatou as suas memórias de um tempo que passou e não volta mais... as peripécias inocentes, as fantasias rebuscadas de sonhos inalcançavéis, conversas sem pé nem cabeça, mas que naquela altura, naquele momento fazem todo o sentido!
A infância é agum inesquecível.... E naquela rua em especial, no bairro de Santa Filomena, mais principalmente em Casal de São Brás, na Amadora, entre o jogar às escondidas, à panhada ou ao rebenta à bolha, o futebol sempre reuniu a maioria dos consensos, tendo um domínio completo.
Nada como a velha bola de borracha grossa, quatro pedras para marcar a baliza, dividir a equipa, deixando sempre cada parte equilibrada e os meninos do bairro de Santa Filomena estavam prontos para mais uma tarde a driblar, a fintar e a marcar golos... Depois das aulas era vê-los a correr para mais uma “partida” de emoções. Entre os aspirantes a craques, sobressaia um magricelas, que apesar de ser leve como uma pena, jogava como se não houvesse amanhã... os pés esses pareciam que tinham sido polvurizados com pauzinhos de magia. Aos colegas restava apenas gritar compulsivamente cada vez que ele resolvia fintar de um extremo ao outro. “Passa a bola pá”, ouvia-se, mas já nessa altura era como se diz na gíria um “furão”.
Luís Carlos Almeida da Cunha, o Nani que hoje brilha no Manchester United e surpreende na Selecção Nacional, é o personagem principal de uma história já velhinha, mas que continua a inspirar aqueles que querem alcançar horizontes longíquos: O argumento baseia-se no menino pobre que consegue trocar uma casa humilde nos subúrbios de Lisboa, por uma vivenda de sonho em Inglaterra, tudo em nome de um talento nato. Neste caso, o exemplo de “Nanaca”, como é carinhosamente apelidado pela família”, é meramente realidade... e ele sem dúvida é uma das maiores estrelas da “constelação futebolística”.

”Sem botas para treinar”
Naquele tempo, jogar descalço na rua era realmente para poucos... Os pés, além de muito sujos formavam feridas, que demoravam a sarar. Porém, se Nani pudesse recuar no tempo iria certamente querer as mesmas “bolhas abertas”, tal como não iria desperdiçar o convite feito para ingressar no clube que lhe deu a mão... o tal que foi o meio para que pudesse atingir o fim tão desejado.
“Era um jovem ainda em evolução mas tecnicamente muito forte.  A bola era a sua companheira, e a ela, entregava todo o seu potencial inagualável”, lembra Hernani Fonseca, um dos primeiros treinadores de Nani, no Real Massamá de Queluz.
Educado pelo irmão e pela tia, com quem partilhava uma “alegre casinha tão modesta como ele” e talvez por saudades da presença dos progenitores (a mãe vivia na Holanda e o pai em Cabo Verde), Nani dormia todas as noites agarrado à sua “mais que tudo”: a bola.
“Quando foi para o Real vimos as dificuldades por que passava e nesse aspecto a instituição ajudou-o muito. Ele almoçava e jantava, todos os dias nas instalações do clube e quando se reparámos que nem sequer tinha botas para treinar, oferecemos umas. Ele retribuía com o seu empenho e dedicação”, confessa o “mister”.
“Um bom miúdo” assim apelidam o menino que, apesar de viver entre dois mundos, sempre soube entrar “no comboio dos campeões no momento certo e à hora exacta”, embarcando assim numa viagem em direcção ao sucesso. “Era um rapaz que aparecia sempre a horas para treinar, mas era necessário dar-lhe abanadela para o acordar... notava-se que lhe tinha custado levantar-se da cama”, diz entre risos Hernani Fernandes.
Quando o jovem foi chamado para um dos três grandes, não motivou surpresa, ao “mestre de muitas lições de contra-ataques e de vida”, nada que não tivesse à espera!
“Ele era muito magrinho, era pauzinho pequeninho, mas fazia o que queria com a bola e por isso dizíamos, muitas vezes, que só lhe faltava a oportunidade”, conclui o homem com mais 30 anos de formação de pequenos petizes.


Do oito para os oitenta
A oportunidade chegou... Luís Carlos Almeida da Cunha, com toda a habilidade chutou para canto, marcou um golaço e conquistou a sua primeira vitória: a ida para o Sporting.
“O princípio não foi fácil, porque o clube de Alvalade já tinha o Yannick Djaló que também era estrangeiro e de acordo com as regras da FIFA só podia jogar um. Ele teve seis meses sem competir”, conta João Souto,treinador dos Juvenis na altura e de momento nas camadas jovens do Benfica.
Mas a capacidade de Nani em “só com um toque ou uma finta de corpo conseguir passar entre vários adversários”, falou mais alto e a naturalização para que fosse português foi pedida. O jovem de raizes africanas, ciente das suas convições, lutou por um “lugar ao sol” no plantel sportinguista, acabando gradualmente por evidenciar-se dos demais. “É um fantasista, com uma liberdade fantastica de movimentos... brilha sem dúvida no campo. Lembrou-me de um miúdo muito disciplinado, que adorava fazer saltos mortais, principalmente num descampado ali perto, estando sempre disponível para aprender”, recorda João Souto.
Habituado a trabalhar com jovens promessas estrelas, como é o caso de João Moutinho e Miguel Veloso, o treinador que  viu Nani passar do oito para os oitenta, deixa a sua visão futurista do lugar na selecção: “Vai ganhar o espaço dele, tal como no Sporting que teve de o conquistar, mas como é um rapaz com muito mérito e principalmente persistente, deve estar para breve ser a primeira opção”.
Do clube de Alvalade para um dos maiores do mundo, Machester United, Nani tem agora a possibilidade de jogar entre os melhores e provar que pode ser “the number one”, qualidades não lhe faltam e pelos vistos genica tem para “dar e vender”. Assim nasce uma estrela...

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