Reportagem publicada em 2007 - Revista Afro
Já parou para pensar como
certas pessoas são tão boas naquilo que fazem que os diferencia dos demais? Por
vezes, não se trata de génios, superdotados ou milagres, são pessoas que
movidos pela paixão, pelo sonho, ou simplesmente pela garra de vencer, são
dotados de talentos artísticos. O “puto” Nani não foge à regra...
Quem é que independente de ter sido menino ou menina na
infância, já não resgatou as suas memórias de um tempo que passou e não volta
mais... as peripécias inocentes, as fantasias rebuscadas de sonhos
inalcançavéis, conversas sem pé nem cabeça, mas que naquela altura, naquele
momento fazem todo o sentido!
A infância é agum inesquecível.... E naquela rua em especial,
no bairro de Santa Filomena, mais principalmente em Casal de São Brás, na
Amadora, entre o jogar às escondidas, à panhada ou ao rebenta à bolha, o
futebol sempre reuniu a maioria dos consensos, tendo um domínio completo.
Nada como a velha bola de borracha grossa, quatro pedras para
marcar a baliza, dividir a equipa, deixando sempre cada parte equilibrada e os
meninos do bairro de Santa Filomena estavam prontos para mais uma tarde a
driblar, a fintar e a marcar golos... Depois das aulas era vê-los a correr para
mais uma “partida” de emoções. Entre os aspirantes a craques, sobressaia um
magricelas, que apesar de ser leve como uma pena, jogava como se não houvesse
amanhã... os pés esses pareciam que tinham sido polvurizados com pauzinhos de
magia. Aos colegas restava apenas gritar compulsivamente cada vez que ele
resolvia fintar de um extremo ao outro. “Passa a bola pá”, ouvia-se, mas já
nessa altura era como se diz na gíria um “furão”.
Luís Carlos Almeida da
Cunha, o Nani que hoje brilha no Manchester United e surpreende na Selecção
Nacional, é o personagem principal de uma história já velhinha, mas que
continua a inspirar aqueles que querem alcançar horizontes longíquos: O
argumento baseia-se no menino pobre que consegue trocar uma casa humilde nos subúrbios
de Lisboa, por uma vivenda de sonho em Inglaterra, tudo em nome de um talento
nato. Neste caso, o exemplo de “Nanaca”, como é carinhosamente apelidado pela
família”, é meramente realidade... e ele sem dúvida é uma das maiores estrelas
da “constelação futebolística”.
”Sem
botas para treinar”
Naquele tempo, jogar descalço na rua era realmente para
poucos... Os pés, além de muito sujos formavam feridas, que demoravam a sarar.
Porém, se Nani pudesse recuar no tempo iria certamente querer as mesmas “bolhas
abertas”, tal como não iria desperdiçar o convite feito para ingressar no clube
que lhe deu a mão... o tal que foi o meio para que pudesse atingir o fim tão
desejado.
“Era um jovem ainda em evolução mas tecnicamente muito
forte. A bola era a sua companheira, e a
ela, entregava todo o seu potencial inagualável”, lembra Hernani Fonseca, um dos
primeiros treinadores de Nani, no Real Massamá de Queluz.
Educado pelo irmão e pela tia, com quem partilhava uma “alegre
casinha tão modesta como ele” e talvez por saudades da presença dos
progenitores (a mãe vivia na Holanda e o pai em Cabo Verde), Nani dormia todas
as noites agarrado à sua “mais que tudo”: a bola.
“Quando foi para o Real vimos as dificuldades por que passava e
nesse aspecto a instituição ajudou-o muito. Ele almoçava e jantava, todos os
dias nas instalações do clube e quando se reparámos que nem sequer tinha botas
para treinar, oferecemos umas. Ele retribuía com o seu empenho e dedicação”,
confessa o “mister”.
“Um bom miúdo” assim apelidam o menino que, apesar de viver
entre dois mundos, sempre soube entrar “no comboio dos campeões no momento
certo e à hora exacta”, embarcando assim numa viagem em direcção ao sucesso.
“Era um rapaz que aparecia sempre a horas para treinar, mas era necessário dar-lhe
abanadela para o acordar... notava-se que lhe tinha custado levantar-se da
cama”, diz entre risos Hernani Fernandes.
Quando o jovem foi chamado para um dos três grandes, não motivou
surpresa, ao “mestre de muitas lições de contra-ataques e de vida”, nada que
não tivesse à espera!
“Ele era muito magrinho, era pauzinho pequeninho, mas fazia o
que queria com a bola e por isso dizíamos, muitas vezes, que só lhe faltava a
oportunidade”, conclui o homem com mais 30 anos de formação de pequenos
petizes.
Do
oito para os oitenta
A oportunidade chegou... Luís Carlos Almeida da Cunha, com toda a habilidade chutou para canto,
marcou um golaço e conquistou a sua primeira vitória: a ida para o Sporting.
“O princípio não foi fácil, porque o clube de Alvalade já tinha
o Yannick Djaló que também era estrangeiro e de acordo com as regras da FIFA só
podia jogar um. Ele teve seis meses sem competir”, conta João Souto,treinador
dos Juvenis na altura e de momento nas camadas jovens do Benfica.
Mas a capacidade de Nani em “só com um toque ou uma finta de
corpo conseguir passar entre vários adversários”, falou mais alto e a
naturalização para que fosse português foi pedida. O jovem de raizes africanas,
ciente das suas convições, lutou por um “lugar ao sol” no plantel sportinguista,
acabando gradualmente por evidenciar-se dos demais. “É
um fantasista, com uma liberdade fantastica de movimentos... brilha sem dúvida
no campo. Lembrou-me de um miúdo muito disciplinado, que adorava fazer saltos
mortais, principalmente num descampado ali perto, estando sempre disponível
para aprender”, recorda João Souto.
Habituado a trabalhar com jovens promessas estrelas,
como é o caso de João Moutinho e Miguel Veloso, o treinador que viu Nani passar do oito para os oitenta,
deixa a sua visão futurista do lugar na selecção: “Vai ganhar o espaço dele,
tal como no Sporting que teve de o conquistar, mas como é um rapaz com muito
mérito e principalmente persistente, deve estar para breve ser a primeira
opção”.
Do clube de Alvalade para um dos maiores do mundo,
Machester United, Nani tem agora a possibilidade de jogar entre os melhores e
provar que pode ser “the number one”, qualidades não lhe faltam e pelos vistos
genica tem para “dar e vender”. Assim nasce uma estrela...
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