Reportagem publicada em 2008, na Revista Happy Woman
Os
temperos de Gibraltar, os paladares mauritanos. Os cozinhados de Raba ou os
aromas de Marrakesch. A cozinha marroquina por terras de D. Afonso Henriques.
Será que a tradição ainda é o que era?
É
uma das mais sensuais do mundo. Apela directamente aos sentidos do cheiro, da
visão e do paladar. Brinca com especiarias fortes, mas que combinadas com
outros ingredientes são capazes de deixar água na boca. Vinda da terra do sol
poente, a cozinha marroquina está presente em Portugal em poucos restaurantes,
que tentam ser fiéis à cultura gastronómica de Marrocos. Mas será que as
genuínas tradições são cumpridas?
Influência árabe e
judaica
A
meio do dia, o ritual de sempre. Mohamed
senta-se com os seus quatros filhos. Não existem cadeiras ou bancos, apenas
diversos tapetes e almofadas ao redor. A mulher, Madina, com um vestido longo colorido, faz as honras da casa,
trazendo as iguarias para a mesa. «As melhores refeições que pode encontrar são
aquelas que são feitas nos lares e não nos restaurantes», refere o homem,
enquanto dá o consentimento à esposa para começar a servir. A tradição nesta
casa ainda é o que era, tudo é feito como foi ensinado.
A
refeição do meio é a principal. Quando se olha para a diversidade de escolha
pensa-se que é dia de festa. Mas não. Todas as especialidades possíveis e
imaginárias estão presentes para satisfazer o apetite daquela família e somente
para aquele instante.
Viajar
pelos paladares de um manjar cheio de segredos. Desfrutar de cada minuto
daquela refeição. O marroquino tem muito orgulho da sua cozinha, tal como
Mahomed faz questão de salientar, por isso a partilha de refeições é quase como
um momento sagrado.
Entre
um golo no chá de hortelã e o trincar num pedaço de pão doce, o natural da
capital marroquina, vai esclarecendo sobre a essência de uma das cozinhas menos
exploradas pelos europeus. «A comida marroquina tem influências árabes, que se
encontram nas cidades de Marrakech e Fez, mas também inspira-se nas tradições
judaicas, localizadas por exemplo na cidade de Essaouira. A diversidade torna-a
impar, quem a prova ou ama ou detesta. Não há meio termo». Um facto já
insinuado por Fernando Pessoa, no seu caderno de viagens, aquando a sua visita a uma das cidades marroquinas.
«Primeiro estranha-se, depois entranha-se».
Enquanto
almoçam a família de Mahomed dispensa dos talheres. O principal utensílio
culinário são as mãos, melhor dizendo os dedos. Segundo o «manual marroquino
dos bons costumes», para comer só devem ser utilizados três dedos, como fazem
os profetas: o médio, o indicador e o polegar.
Cientistas da cozinha
marroquina
Dos
vários pratos dispostos sobre a mesa, não poderia deixar de estar presente as
“duas fórmulas” mais conhecidas no Ocidente: a Tagine e o Cuscuz. O primeiro,
um cozido servido num recipiente redondo de cerâmica, com uma tampa em forma de
cone à base de legumes, carne ou peixe. O segundo, simples sêmolas de trigo
cozida que se apresenta como óptima alternativa ao arroz, à massa ou às batatas,
mas também é usado em saladas e sobremesas.
«O
tagine é o mais utilizado, há mais de 400 receitas deste tipo de comida. Com
ameixa, azeitona, de laranja», esclareceu o marroquino.
A
carne de cordeiro, frango e vitela são imprescindíveis neste menu das arábias,
já o açafrão e a canela dão cor aos temperos. Vermelho, castanho, verde, um
arco-iris de paladares.
«Em
Portugal, há poucos restaurantes, e mesmo assim alguns pecam por não cumprirem
certas regras. Sou da opinião que todos deveriam ter cozinheiros marroquinos.
São os entendidos na matéria e não só, sabem realmente quais os ingredientes
certos, como misturá-lo o doce e o salgado, como mexer da maneira correcta. Digamos que
são os verdadeiros cientistas da cozinha marroquina», refere Mahomed.
Passado
uma hora continuam a desfrutar do
aroma do gengibre, o número um das especiarias marroquinas, que acende o
coração. O marroquino tem muito orgulho da sua cozinha, tal como Mahomed faz
questão de salientar, por isso a partilha de refeições é quase como um momento
sagrado.
Antes de terminar a viagem pelos paladares de uma cozinha cheia de
segredos, Mohamed elege
o restaurante de uma compatriota como aquele onde melhor se revive os sabores
exóticos da sua terra. «É como se estivesse em casa».
As mãos de Rabea
Entre
ruelas e travessas. Num dos corações lisboetas. Foi no Bairro Alto, que Rabea
Esserghini decidiu abrir o Flor de Laranja. Natural de Casablanca, há dez anos
em Lisboa, a marroquina apoiou-se no seu conhecimento gastronómico e resolveu
dar a conhecer os seus dotes culinários.
Contando
com apenas 22 lugares, o estabelecimento tem como cozinheira residente a
própria Rabea, que também faz as compras e recebe as pessoas. Uma três em um.
Da ementa a Tagine de Borrego com Ameixas ou o Frango com Limão, faz as delícias
de quem lá passa. Os famosos chás. Para todos os gostos e feitios, desde o
menta à Flor de Laranja são muito requisitados. «Quando me pedem uma entrevista
para saber se sigo ou não as tradições, digo logo, venha cá sem se identificar
e diga de sua justiça. Gosto de ganhar as pessoas com a gastronomia não com as
palavras», salienta.
De
quinta a sábado, o espaço recorda as noites quentes de Marrocos com a
perfomance de uma bailarina que presenteia os clientes com a miíica dança do
ventre. A alegria sente-se no ar. «É como visitasse o meu país através das mãos
de Rabea», diz um dos marroquinos presentes no restaurante.
"Amor ao primeiro paladar"
Patrícia
Figueiredo é uma amante do Todo Terreno. Devido à paixão pelos jipes já esteve
por diversas vezes no deserto do Sahara ou na cosmopolita Casablanca, onde o
seu primeiro contacto com a gastronomia local foi amor ao primeiro paladar. «O
que me mais atrai neste tipo de comida é o seu exotismo, as diferentes
combinações de sabores e condimentos com que são confeccionadas. Por isso
sempre que tenho uma oportunidade de experimentar novos pratos, não a perco».
Depois de mais uma aventura, ao regressar a
Portugal, a advogada de 35 anos, tenta matar as saudades dos sabores de mil e
uma noites. «A oferta é muito pouca e sinceramente já estive presente em alguns
restaurantes que estão a anos de luz de reproduzir a verdadeira comida
marroquina. Mas descobri há pouco tempo o Marrokos. Além da comida ser idêntica
o espaço está muito bem conseguido e principalmente tem uma cozinheira marroquina
que replica em solo português as receitas que trouxe na bagagem.
Uma sopa tradicional a Harira como entrada,
Tagine de Kefta para refeição principal finalizando com Briuats Doces (biscoito
tradicional Marroquino com recheio de amêndoa) é uma das refeições preferidas.
De
seguida um variado leque de aromáticos tabacos de sabor frutado, que podem ser
fumados nas fabulosas narguilhas, que fazemos questão em preparar com todo o
preceito.” dança
do ventre, a actuação de músicos marroquinos, encantadores de serpentes, o
ritual do chá e as tatuagens Henna.
Sem comentários:
Enviar um comentário