sábado, 27 de outubro de 2012

Sabores de mil e uma noites


Reportagem publicada em 2008, na Revista Happy Woman 

Os temperos de Gibraltar, os paladares mauritanos. Os cozinhados de Raba ou os aromas de Marrakesch. A cozinha marroquina por terras de D. Afonso Henriques.
Será que a tradição ainda é o que era?                 

É uma das mais sensuais do mundo. Apela directamente aos sentidos do cheiro, da visão e do paladar. Brinca com especiarias fortes, mas que combinadas com outros ingredientes são capazes de deixar água na boca. Vinda da terra do sol poente, a cozinha marroquina está presente em Portugal em poucos restaurantes, que tentam ser fiéis à cultura gastronómica de Marrocos. Mas será que as genuínas tradições são cumpridas?


Influência árabe e judaica
A meio do dia, o ritual de sempre. Mohamed senta-se com os seus quatros filhos. Não existem cadeiras ou bancos, apenas diversos tapetes e almofadas ao redor. A mulher, Madina, com um vestido longo colorido, faz as honras da casa, trazendo as iguarias para a mesa. «As melhores refeições que pode encontrar são aquelas que são feitas nos lares e não nos restaurantes», refere o homem, enquanto dá o consentimento à esposa para começar a servir. A tradição nesta casa ainda é o que era, tudo é feito como foi ensinado.
A refeição do meio é a principal. Quando se olha para a diversidade de escolha pensa-se que é dia de festa. Mas não. Todas as especialidades possíveis e imaginárias estão presentes para satisfazer o apetite daquela família e somente para aquele instante.
Viajar pelos paladares de um manjar cheio de segredos. Desfrutar de cada minuto daquela refeição. O marroquino tem muito orgulho da sua cozinha, tal como Mahomed faz questão de salientar, por isso a partilha de refeições é quase como um momento sagrado.
Entre um golo no chá de hortelã e o trincar num pedaço de pão doce, o natural da capital marroquina, vai esclarecendo sobre a essência de uma das cozinhas menos exploradas pelos europeus. «A comida marroquina tem influências árabes, que se encontram nas cidades de Marrakech e Fez, mas também inspira-se nas tradições judaicas, localizadas por exemplo na cidade de Essaouira. A diversidade torna-a impar, quem a prova ou ama ou detesta. Não há meio termo». Um facto já insinuado por Fernando Pessoa, no seu caderno de viagens, aquando a  sua visita a uma das cidades marroquinas. «Primeiro estranha-se, depois entranha-se».
Enquanto almoçam a família de Mahomed dispensa dos talheres. O principal utensílio culinário são as mãos, melhor dizendo os dedos. Segundo o «manual marroquino dos bons costumes», para comer só devem ser utilizados três dedos, como fazem os profetas: o médio, o indicador e o polegar.


Cientistas da cozinha marroquina
Dos vários pratos dispostos sobre a mesa, não poderia deixar de estar presente as “duas fórmulas” mais conhecidas no Ocidente: a Tagine e o Cuscuz. O primeiro, um cozido servido num recipiente redondo de cerâmica, com uma tampa em forma de cone à base de legumes, carne ou peixe. O segundo, simples sêmolas de trigo cozida que se apresenta como óptima alternativa ao arroz, à massa ou às batatas, mas também é usado em saladas e sobremesas.
«O tagine é o mais utilizado, há mais de 400 receitas deste tipo de comida. Com ameixa, azeitona, de laranja», esclareceu o marroquino.
A carne de cordeiro, frango e vitela são imprescindíveis neste menu das arábias, já o açafrão e a canela dão cor aos temperos. Vermelho, castanho, verde, um arco-iris de paladares.
«Em Portugal, há poucos restaurantes, e mesmo assim alguns pecam por não cumprirem certas regras. Sou da opinião que todos deveriam ter cozinheiros marroquinos. São os entendidos na matéria e não só, sabem realmente quais os ingredientes certos, como misturá-lo o doce e o salgado,  como mexer da maneira correcta. Digamos que são os verdadeiros cientistas da cozinha marroquina», refere Mahomed.
Passado uma hora continuam a desfrutar do aroma do gengibre, o número um das especiarias marroquinas, que acende o coração. O marroquino tem muito orgulho da sua cozinha, tal como Mahomed faz questão de salientar, por isso a partilha de refeições é quase como um momento sagrado.
Antes de terminar a viagem pelos paladares de uma cozinha cheia de segredos, Mohamed elege o restaurante de uma compatriota como aquele onde melhor se revive os sabores exóticos da sua terra. «É como se estivesse em casa».


As mãos de Rabea
Entre ruelas e travessas. Num dos corações lisboetas. Foi no Bairro Alto, que Rabea Esserghini decidiu abrir o Flor de Laranja. Natural de Casablanca, há dez anos em Lisboa, a marroquina apoiou-se no seu conhecimento gastronómico e resolveu dar a conhecer os seus dotes culinários.
Contando com apenas 22 lugares, o estabelecimento tem como cozinheira residente a própria Rabea, que também faz as compras e recebe as pessoas. Uma três em um. Da ementa a Tagine de Borrego com Ameixas ou o Frango com Limão, faz as delícias de quem lá passa. Os famosos chás. Para todos os gostos e feitios, desde o menta à Flor de Laranja são muito requisitados. «Quando me pedem uma entrevista para saber se sigo ou não as tradições, digo logo, venha cá sem se identificar e diga de sua justiça. Gosto de ganhar as pessoas com a gastronomia não com as palavras», salienta.
De quinta a sábado, o espaço recorda as noites quentes de Marrocos com a perfomance de uma bailarina que presenteia os clientes com a miíica dança do ventre. A alegria sente-se no ar. «É como visitasse o meu país através das mãos de Rabea», diz um dos marroquinos presentes no restaurante.

"Amor ao primeiro paladar"
Patrícia Figueiredo é uma amante do Todo Terreno. Devido à paixão pelos jipes já esteve por diversas vezes no deserto do Sahara ou na cosmopolita Casablanca, onde o seu primeiro contacto com a gastronomia local foi amor ao primeiro paladar. «O que me mais atrai neste tipo de comida é o seu exotismo, as diferentes combinações de sabores e condimentos com que são confeccionadas. Por isso sempre que tenho uma oportunidade de experimentar novos pratos, não a perco».
Depois de mais uma aventura, ao regressar a Portugal, a advogada de 35 anos, tenta matar as saudades dos sabores de mil e uma noites. «A oferta é muito pouca e sinceramente já estive presente em alguns restaurantes que estão a anos de luz de reproduzir a verdadeira comida marroquina. Mas descobri há pouco tempo o Marrokos. Além da comida ser idêntica o espaço está muito bem conseguido e principalmente tem uma cozinheira marroquina que replica em solo português as receitas que trouxe na bagagem.
Uma sopa tradicional a Harira como entrada, Tagine de Kefta para refeição principal finalizando com Briuats Doces (biscoito tradicional Marroquino com recheio de amêndoa) é uma das refeições preferidas.
De seguida um variado leque de aromáticos tabacos de sabor frutado, que podem ser fumados nas fabulosas narguilhas, que fazemos questão em preparar com todo o preceito.” dança do ventre, a actuação de músicos marroquinos, encantadores de serpentes, o ritual do chá e as tatuagens Henna.

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