domingo, 28 de outubro de 2012

Ouvir Bana pela primeira vez


Reportagem feita em 2008: Publicada no Jornal Expresso das Ilhas/Cabo Verde 




Ele é um ancião das mornas que através da sua voz quente emociona e embala quem as ouve. Ela, uma portuguesa com um talento inato para a escrita, que se apaixonou perdidamente por uma terra que facilmente nos saia da memória. Juntaram-se as recordações do artista com a criatividade da autora e o resultado não poderia ser melhor: “Bana uma vida a cantar Cabo Verde”.  

Nestas breves linhas poder-se-ia falar do seu percurso, da sua morna, da sua música, mas isso já é do conhecimento geral. Homenagear este “gigante” é uma tarefa difícil, mas talvez, contar sobre a primeira vez que eu e a sua voz nos encontramos (e certamente não será única) poderá explicar o efeito que este homem que “por detrás do esforço do seu sorriso, se descortina a intenção de camuflar a saudade”, tem sobre as pessoas. É natural. Está-lhe no sangue, desde que abrira os olhos para o mundo... numa época, onde a revolta das bandeira negras deixou a sua marca na vida dos mindeleses.“Despertou a consciência para os direitos da população, pois a aceitação do sofrimento não deve ser a expiação de um povo e a conformação só deve existir para o dado consumado – a morte” (in Bana, uma vida a cantar Cabo Verde). E Bana nunca se acomodou. Nunca se sentou, confortavelmente numa cadeira, à espera que a sorte lhe trouxessem bons ventos. Preferiu arregaçar as mangas e ir à luta. 
 Ouvi-lo e vê-lo é sempre uma aventura de sentimentos, contradições, verdades e raivas explicadas. Quem escuta com atenção o mestre de “personalidade complexa mas de coração dado”, fica tocado perante simplicidade. Quis comprovar que sentido poderia fazer para mim estas palavras. Uma portuguesa acabada de chegar à Ilha de Santiago, que traz na alma e, na bagagem, o fado de outros tempos e do agora. A morna pertencia à minha memória longínqua.

O Cantor que declama
Antes do pequeno espectáculo improvisado num restaurante bem conhecido da capital, “o Gambôa”, a conversa…Um Bana que luta contra os anos que tendem a não querer abrandar. Um Bana, que mesmo cansado fisicamente, não se importou de falar, mais uma vez, sobre a história que nas últimas semanas contou tantas e tantas vezes. Alias, mesmo agora com 76 anos, o homem de quase dois metros de altura, falou com o mesmo entusiasmo aquando em 2004 foi convidado para um programa de Rádio na Praia. “Deu na cabeça do locutor pôr-me a falar em directo com as pessoas. Eu ficava ali uma semana! As pessoas falavam, falavam, falavam…”.
As luzes a meio gás para dar ambiente à sala. Apenas dois músicos e ele. A sua figura imponente marca qualquer um, mas a sua voz é a verdadeira “estrela da noite”. Encostou-me à cadeira e fecho os olhos. Deixou-me embalar. Canter de Felecidade, Sonho di inha sperança, Mar di Canal… não há palavras, só emoções.
“Quando declama as mornas, fixando alguém das primeiras filas, tem a capacidade de fazer crer a cada dama espectadora que aquele romântico é dirigido a si…”, Nessa noite Bana fez me sentir assim…
África, Europa, pelo mundo a fora a “cantar Cabo Verde”, o artista que é conhecido pelos vários concertos de despedida, toca cada pessoa que convive com ele através de uma expressão cantável indecifrável.
“A minha posição de deixar os palcos foi levada a sério por mim. Os meus companheiros de palco e os meus admiradores é que não deixaram de insistir e pressionar, dizendo que não poderia virar as costas ao nosso Folclore. Face a isto, acabei por me render sem culpas. De facto, é uma doçura saber que ainda podia fazer algo”.

 A paixão da escritora
A caneta desliza pela última vez. Foram escrita as derradeiras frases. “Es nôs nascê dum loucura, mim pâ me vivê ê d´bô carinho, e d´bô sorriso, ma bô ternura, se es falta-me mim d´já-me morrê... desabafava o cantor elucidando os sonhos que convocaram o dia seguinte”. O sentimento não poderia ser outro... Missão Cumprida!
Quando Raquel Ochoa nasceu em Janeiro de 1980, Bana e o sucesso já caminhavam de mãos dadas... Enquanto a portuguesa se licenciava em Direito e viajava pelo mundo, em busca de novas experiências e aventuras que a enriqueciam enquanto ser humano, o cantor firmava a sua marca em cada cantinho do mundo. Quis o destino que as suas vidas se encontrassem. Há quem acredite que não haja coincidências. Sou uma dessas pessoas. O encontro dos dois estava escrito desde o início e isso é notório pela cumplicidade e sobretudo, pela amizade que criaram nos dois anos e meio que Raquel levou a pesquisar e a escrever “Bana, uma vida a cantar Cabo Verde”.
“Quando cheguei a casa dele foi recebida por um grande senhor. Na primeira entrevista tive logo a certeza que isto era uma história de vida para contar. Apercebi-me da importância que Bana que tem em Cabo Verde e em Portugal e descobri uma coisa muito importante. A dimensão que ele tem enquanto impulsionador da cultura cabo-verdiana”. 
Uma única vez em terras crioulas foi o suficiente para esta jurista de profissão e escritora de alma e coração (Raquel publicou um primeiro livro “O Vento dos Outros” uma crónica de viagens aos Andes), reunir impressões que levaram a entender o local o espírito das suas gentes e perceber a marca que o cantor deixou na cidade de Mindelo, sua terra Natal.
A paixão pela descoberta do arquipélago e a surpreendente vida deste novo amigo, emocionou a escritora que quis na biografia não só relatar as experiências e vivências deste “embaixador da música cabo-verdiana”, mas também, contextualizá-la com cada época. “Escrevi esta obra também com o objectivo de valorizar a terra. Li muito, mas não achei nenhuma obra com o carácter que quis dar a este. Era necessário um livro que pudesse, de forma positiva, reunir todas as características que são únicas em Cabo Verde e depois depositá-las numa só obra de maneira a ser estimulante ler. Ainda por cima ter como fio condutor a vida do Bana…”, relatou.
Quanto à empatia com o cantor: “Há um sentimento de amizade que ao longo do tempo foi crescendo. É uma pessoa complexa, com uma coração gigante, que através da sua voz conseguiu que os imigrantes matassem as saudades, talvez tenha sido a pessoa lá fora que mais entrou no coração das pessoas. Ouvir o Bana era quase como um confessionário. Conhece-lo enriqueceu-me enquanto escritora e ser humano”.
Devido ao sucesso do projecto, uma edição de luxo com um CD, Raquel já tem outros planos na manga para esta terra de Morabeza… Agora vai regressar a terras lusitanas, levando no pensamento “uma paixão que se adivinha para a vida”, de seu nome Cabo Verde. 

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