Reportagem feita em 2008: Publicada no Jornal Expresso das Ilhas/Cabo Verde
Ele é um ancião das mornas que através da sua voz quente
emociona e embala quem as ouve. Ela, uma portuguesa com um talento inato para a
escrita, que se apaixonou perdidamente por uma terra que facilmente nos saia da
memória. Juntaram-se as recordações do artista com a criatividade da autora e o
resultado não poderia ser melhor: “Bana uma vida a cantar Cabo Verde”.
Nestas breves linhas poder-se-ia falar do seu percurso, da
sua morna, da sua música, mas isso já é do conhecimento geral. Homenagear este
“gigante” é uma tarefa difícil, mas talvez, contar sobre a primeira vez que eu
e a sua voz nos encontramos (e certamente não será única) poderá explicar o
efeito que este homem que “por detrás do esforço do seu sorriso, se descortina
a intenção de camuflar a saudade”, tem sobre as pessoas. É natural. Está-lhe no
sangue, desde que abrira os olhos para o mundo... numa época, onde a revolta
das bandeira negras deixou a sua marca na vida dos mindeleses.“Despertou a
consciência para os direitos da população, pois a aceitação do sofrimento não
deve ser a expiação de um povo e a conformação só deve existir para o dado
consumado – a morte” (in Bana, uma vida a cantar Cabo Verde). E Bana nunca se
acomodou. Nunca se sentou, confortavelmente numa cadeira, à espera que a sorte
lhe trouxessem bons ventos. Preferiu arregaçar as mangas e ir à luta.
Ouvi-lo e vê-lo é
sempre uma aventura de sentimentos, contradições, verdades e raivas explicadas.
Quem escuta com atenção o mestre de “personalidade complexa mas de coração dado”,
fica tocado perante simplicidade. Quis comprovar que sentido poderia fazer para
mim estas palavras. Uma portuguesa acabada de chegar à Ilha de Santiago, que
traz na alma e, na bagagem, o fado de outros tempos e do agora. A morna
pertencia à minha memória longínqua.
O Cantor que declama
Antes do pequeno espectáculo improvisado num restaurante bem
conhecido da capital, “o Gambôa”, a conversa…Um Bana que luta contra os anos
que tendem a não querer abrandar. Um Bana, que mesmo cansado fisicamente, não
se importou de falar, mais uma vez, sobre a história que nas últimas semanas
contou tantas e tantas vezes. Alias, mesmo agora com 76 anos, o homem de quase
dois metros de altura, falou com o mesmo entusiasmo aquando em 2004 foi
convidado para um programa de Rádio na Praia. “Deu na cabeça do locutor pôr-me
a falar em directo com as pessoas. Eu ficava ali uma semana! As pessoas
falavam, falavam, falavam…”.
As luzes a meio gás para dar ambiente à sala. Apenas dois
músicos e ele. A sua figura imponente marca qualquer um, mas a sua voz é a
verdadeira “estrela da noite”. Encostou-me à cadeira e fecho os olhos.
Deixou-me embalar. Canter de Felecidade, Sonho di inha sperança, Mar di Canal…
não há palavras, só emoções.
“Quando declama as mornas, fixando alguém das primeiras
filas, tem a capacidade de fazer crer a cada dama espectadora que aquele
romântico é dirigido a si…”, Nessa noite Bana fez me sentir assim…
África, Europa, pelo mundo a fora a “cantar Cabo Verde”, o
artista que é conhecido pelos vários concertos de despedida, toca cada pessoa
que convive com ele através de uma expressão cantável indecifrável.
“A minha posição de deixar os palcos foi levada a sério por
mim. Os meus companheiros de palco e os meus admiradores é que não deixaram de
insistir e pressionar, dizendo que não poderia virar as costas ao nosso
Folclore. Face a isto, acabei por me render sem culpas. De facto, é uma doçura
saber que ainda podia fazer algo”.
A caneta desliza pela última vez. Foram escrita as
derradeiras frases. “Es nôs nascê dum loucura, mim pâ me vivê ê d´bô carinho, e
d´bô sorriso, ma bô ternura, se es falta-me mim d´já-me morrê... desabafava o
cantor elucidando os sonhos que convocaram o dia seguinte”. O sentimento não
poderia ser outro... Missão Cumprida!
Quando Raquel Ochoa nasceu em Janeiro de 1980, Bana e o
sucesso já caminhavam de mãos dadas... Enquanto a portuguesa se licenciava em
Direito e viajava pelo mundo, em busca de novas experiências e aventuras que a
enriqueciam enquanto ser humano, o cantor firmava a sua marca em cada cantinho
do mundo. Quis o destino que as suas vidas se encontrassem. Há quem acredite
que não haja coincidências. Sou uma dessas pessoas. O encontro dos dois estava
escrito desde o início e isso é notório pela cumplicidade e sobretudo, pela
amizade que criaram nos dois anos e meio que Raquel levou a pesquisar e a
escrever “Bana, uma vida a cantar Cabo Verde”.
“Quando cheguei a casa dele foi recebida por um grande
senhor. Na primeira entrevista tive logo a certeza que isto era uma história de
vida para contar. Apercebi-me da importância que Bana que tem em Cabo Verde e em
Portugal e descobri uma coisa muito importante. A dimensão que ele tem enquanto
impulsionador da cultura cabo-verdiana”.
Uma única vez em terras crioulas foi o suficiente para esta
jurista de profissão e escritora de alma e coração (Raquel publicou um primeiro
livro “O Vento dos Outros” uma crónica de viagens aos Andes), reunir impressões
que levaram a entender o local o espírito das suas gentes e perceber a marca
que o cantor deixou na cidade de Mindelo, sua terra Natal.
A paixão pela descoberta do arquipélago e a surpreendente
vida deste novo amigo, emocionou a escritora que quis na biografia não só
relatar as experiências e vivências deste “embaixador da música cabo-verdiana”,
mas também, contextualizá-la com cada época. “Escrevi esta obra também com o
objectivo de valorizar a terra. Li muito, mas não achei nenhuma obra com o
carácter que quis dar a este. Era necessário um livro que pudesse, de forma
positiva, reunir todas as características que são únicas em Cabo Verde e depois
depositá-las numa só obra de maneira a ser estimulante ler. Ainda por cima ter
como fio condutor a vida do Bana…”, relatou.
Quanto à empatia com o cantor: “Há um sentimento de amizade
que ao longo do tempo foi crescendo. É uma pessoa complexa, com uma coração
gigante, que através da sua voz conseguiu que os imigrantes matassem as
saudades, talvez tenha sido a pessoa lá fora que mais entrou no coração das
pessoas. Ouvir o Bana era quase como um confessionário. Conhece-lo enriqueceu-me
enquanto escritora e ser humano”.
Devido ao sucesso do projecto, uma edição de luxo com um CD,
Raquel já tem outros planos na manga para esta terra de Morabeza… Agora vai
regressar a terras lusitanas, levando no pensamento “uma paixão que se adivinha
para a vida”, de seu nome Cabo Verde.